O Grupo

O atual Grupo de estudos espinosanos começa a nascer em janeiro de 1995 numa reunião no prédio de História da USP, quando 5 ou 6 amigos tomaram a decisão de prosseguir a leitura dos textos de Espinosa que se iniciara no semestre anterior ao longo de um curso de História da filosofia moderna I dado pela profa. Marilena Chaui e que tinha por objeto a terceira parte da Ética. A partir daí as reuniões passaram a acontecer com certa regularidade, nas tardes de sábado, no espaço oferecido por alguém, na própria USP ou no Centro cultural São Paulo; o objeto de estudo conjunto era o Tratado da reforma da inteligência, na tradução de Lívio Teixeira.

Foi nesse ínterim que Marilena sugeriu recolher alguns dos textos a ela entregues ao final daquele curso de Moderna I e publicá-los, dando origem a uma revista inteiramente dedicada à filosofia espinosana. Pouco tempo depois, a própria Marilena se engajou nas atividades do grupo, as quais se estenderam do Tratado da reforma para outros textos; e, particularmente, foi quando se começou a cogitar o projeto de uma nova tradução da Ética como alternativa à tradicional versão d’Os Pensadores. O trabalho de tradução da obra se iniciou em 2008 e, contando com a colaboração de vários membros do grupo, das mais variadas áreas do conhecimento e ramos da filosofia, o projeto foi concretizado em 2012 e atualmente encontra-se em fase de trâmites de publicação, a ser lançado futuramente pela Edusp.

Os Cadernos espinosanos vieram finalmente à luz em setembro de 96, com o lançamento de um primeiro volume, em três tomos, inteiramente voltado à análise da vida afetiva na perspectiva espinosana. Em simultâneo, realizou-se o I Encontro de estudos sobre o século XVII, o qual deu início à série de colóquios que até hoje são organizados pelo grupo, ora sob a forma de congressos de maior porte, ora (mais freqüente) sob a forma de jornadas dedicadas a um autor ou a um tema específico.
Com o tempo, tais eventos mostraram-se de grande importância para o estabelecimento de laços com outros estudiosos da filosofia moderna de fora da USP; processo ao qual também contribuíram muito a integração do grupo à Associação de estudos filosóficos do século XVII e a participação de seus membros nos encontros nacionais da Anpof, especialmente no GT “Pensamento do século XVII”.

No decorrer dos anos, várias pessoas — graduandos, pós-graduandos, professores — vieram a tomar parte nos trabalhos do grupo, que a partir de certo momento se estabeleceram nas terças-feiras à tarde e passaram a combinar a tradução da Ética e seminários. Estes, embora de início dedicados quase exclusivamente a textos ou temas espinosanos, aos poucos foram se abrindo para outros filósofos seiscentistas, numa clara e natural contribuição dos novos integrantes; foi assim que, entre outras coisas, leram-se o segundo livro do Novo órganon, o Tratado das paixões cartesiano, o Discurso de metafísica de Leibniz.
Após o estabelecimento de uma rotina de trabalho e intercâmbio acadêmico e a manutenção dos Cadernos espinosanos, em 2003 o Grupo de estudos espinosanos passou a contar com auxílio da Fapesp, mediante o projeto temático “Razão e experiência no pensamento moderno”, que se prolongou até fins de 2006, sob coordenação de Marilena Chaui e, num segundo momento, da profa. Maria das Graças de Souza.

Esse período foi particularmente importante para a configuração do grupo. Talvez aí se possa encontrar o marco, se não de uma mudança de rumo, ao menos de uma decidida ampliação de interesses e temas, a qual de resto já se pronunciava. Foi desse forma que, sem prejuízo do original adjetivo “espinosanos” tanto em seu nome quanto no título dos cadernos, o grupo, por assim dizer, oficialmente assumiu-se como um grupo orientado para a filosofia moderna em sua inteireza; ademais, graças à diversidade de pesquisas desenvolvidas em seu interior, ao eixo metafísico que sempre o marcara, o trabalho conjunto pôde, com proveito, estender-se às reflexões de teor mais propriamente científico e político encontradas no interior da modernidade.
Importante ainda, o auxílio da Fapesp facilitou os contatos com pesquisadores estrangeiros, que puderam visitar o grupo e tomar parte nos seminários e nos colóquios, e possibilitou imprimir maior regularidade aos Cadernos espinosanos. Finalmente, foi ao longo desse período que se começou a planejar com a editora Humanitas uma coleção de livros dedicados ao século XVII, tanto estudos quanto traduções de fontes primárias. Os primeiros volumes da coleção “Estudos seiscentistas” apareceram em novembro de 2004.

Desde maio de 2008, o Grupo de estudos espinosanos voltou a contar com o apoio financeiro da Fapesp, agora por meio do projeto temático “Ruptura e Continuidade: Investigações sobre a relação entre Natureza e História a partir de sua formulação pelo Grande Racionalismo Seiscentista”. Aí, reconhece-se uma nova ampliação dos interesses do grupo, bem como as inflexões de seus mais novos membros, no questionamento das relações entre filosofia moderna e filosofia contemporânea. O presente projeto foi oficialmente encerrado em março de 2013.

Quando um grupo de estudos atinge mais de uma década de existência, faz-se desnecessário insistir sobre sua importância, quer dentro do panorama institucional que o acolhe, quer como referência na formação de toda uma geração de estudantes — alguns dos quais se formaram, da iniciação científica ao pós-doutorado, em seu interior, sendo hoje professores em importantes universidades brasileiras. Entretanto, para lá de tudo que se vincula diretamente à só academia ou aos itinerários individuais, é preciso dizer que o grupo espinosano constitui ainda uma valiosa expressão acadêmico-política, na medida em que, nascido por assim dizer de baixo para cima, pôde ao longo dos anos fazer frente a inúmeras e inevitáveis tribulações sem perder seu espírito original, logrando perseguir seu trabalho consciente da existência de uma tradição e sempre preocupado em manter-se aberto aos novos. Nesse sentido, finalmente, é lícito identificar no Grupo de estudos espinosanos algo que está longe de ser de somenos: o exercício de uma prática democrática de pesquisa.